{Cartas da Itália #5} O cheiro da neve e a última curva de Senna
Sobre primeiras e últimas vezes
✍️ Quando foi a última vez que você fez algo pela primeira vez?
Era madrugada quando um barulho lá fora nos despertou. Ainda sonolentos, abrimos a varanda do quarto em San Marino e fomos surpreendidos por algo inesperado: a neve.
A primeira neve da minha vida. Ou melhor, das nossas.
Na mesma hora, vestimos os casacos, as toucas, os sapatos, e ficamos ali fora observando os flocos caírem, sentindo o frio tocar o rosto e rindo feito crianças.
Por um instante, me senti a própria Lorelai Gilmore - a protagonista da minha série favorita “Gilmore Gilrls”, que tinha um poder especial de antecipar a chegada da neve antes mesmo de vê-la. Ao sentir os flocos gelados tocarem o meu rosto, entendi o seu fascínio pelo momento mágico em que tudo muda de cor.
Essa experiência mais do que extraordinária me fez pensar em como a vida sempre nos dá chances de viver novas primeiras vezes, mas nem sempre as percebemos. As vezes, estamos ocupados demais olhando para telas ou presos em padrões que nos mantêm no mesmo lugar.
Mas basta um pequeno desvio na rota – como a nossa de ir até San Marino sem planejar – para que a vida nos surpreenda com algo inesperado.
Entre primeiras e últimas vezes
Viajar tem esse poder de nos tirar da zona de conforto e ampliar nosso olhar curioso sobre a vida.
A cada destino, colecionamos primeiras vezes: um sabor inédito, um idioma estranho aos ouvidos, um caminho desconhecido. As viagens nos convidam a experimentar o novo – desde que estejamos abertos a perceber.
Mas, assim como nos ensina o Princípio da Polaridade do Caibalion, onde há inícios, há também finais. Tudo tem seu oposto, sua antítese.
Saímos de San Marino ainda deslumbrados com a primeira vez na neve, sem saber que, em poucas horas, faríamos uma pausa para refletir sobre últimas vezes. Seguimos rumo a Pádova, mas antes havia um destino especial no meio da rota: Ímola.
Como fãs de Fórmula 1 – e do nosso eterno Ayrton Senna – tínhamos o desejo de visitar o local onde ele pilotou pela última vez.
Ímola abriga a icônica curva Tamburello, o trecho de pista onde aconteceu o acidente fatal do maior piloto que o automobilismo já viu.
Ali, um monumento foi erguido para celebrar seu legado. Um espaço onde fãs do mundo todo deixam cartas, flores, capacetes, em uma espécie de ritual coletivo de memória e gratidão. Já havíamos ouvido sobre a energia daquele lugar, mas queríamos vivê-la. Estar ali. Deixar nossa homenagem para o eterno campeão.
Quando nos aproximamos do memorial, um arrepio percorreu todo o meu corpo e lágrimas brotaram dos meus olhos sem que eu pudesse conter. A energia daquele lugar é de fato inexplicável – como se Ayrton ainda estivesse ali, nos observando de algum ponto além do tempo, silenciosamente testemunhando a imensidão do legado que deixou.
Senna transcendeu o automobilismo. Deixou de ser apenas um piloto para se tornar um símbolo. Sua última corrida se transformou em memória, sua trajetória em eternidade.
Ficamos ali por alguns minutos, em silêncio, absorvendo aquela atmosfera quase sagrada, refletindo sobre como um brasileiro mudou a história do esporte – e sobre como nunca sabemos quando estamos fazendo algo pela última vez.
No final do ano passado, a Netflix lançou uma série sobre sua história, que se tornou o título mais assistido da plataforma em menos de 48 horas. O fenômeno reacendeu a conversa sobre Senna, apresentando sua história a uma nova geração e reativando memórias cheias de saudade das gerações mais antigas. Lembro que assistimos emocionados, revivendo suas corridas, seus feitos, sua essência. E agora, estar ali, naquele lugar carregado de história e significado, era como fechar um ciclo de uma maneira que nunca havíamos imaginado.
Essa experiência também me fez refletir sobre as últimas vezes.
Uma viagem pode ser a última. Uma conversa pode ser a última. Um abraço pode ser o último.
Ayrton não sabia que aquele domingo seria sua última corrida. Que aquela volta no circuito de Ímola seria seu último traçado no asfalto. Que aquele capacete amarelo jamais cruzaria outra linha de chegada.
E então me pergunto: o que ele teria feito de diferente se soubesse?
E mais do que isso: o que nós faríamos de diferente se soubéssemos que hoje estamos fazendo algo pela última vez?
O legado da presença
Para chegar onde chegou, Ayrton sempre foi mais do que um piloto veloz.
Ele carregava consigo uma filosofia de vida, uma entrega absoluta a tudo o que fazia. Dentro e fora das pistas, sua marca sempre foi a intensidade – a paixão pelo detalhe, o compromisso com a excelência, a crença inabalável de que o impossível poderia ser conquistado.
E foi exatamente isso que senti ali, diante do seu memorial: a grandeza de alguém que viveu cada instante com propósito, paixão e presença.
Ele me fez pensar sobre o poder das últimas vezes. Sobre a energia e intenção que colocamos nas coisas, mesmo sem saber se teremos outra chance de vivê-las. Porque talvez a maior lição que Senna nos deixou não tenha sido apenas sobre velocidade ou técnica, mas sobre presença.
Sobre estar inteiro no que se faz.
Sobre viver como se cada momento importasse.
Sobre fazer as coisas com paixão.
E se tivermos a sorte de ter mais uma volta, mais uma corrida, mais um dia, que a gente possa honrá-los da mesma forma que ele fez.
Obrigada eterno campeão, Ayrton. Por tudo o que você foi. E por, dessa vez, ter me feito enxergar o valor das primeiras e últimas vezes.
Quantas primeiras vezes você tem vivido ultimamente?
E quais últimas vezes passaram despercebidas?
📖 Inspiração Literária
Para a inspiração sobre inícios e fins de hoje, deixo aqui a sugestão do livro “O Ano do Pensamento Mágico”, Joan Didion.
A autora narra sua experiência com o luto após a perda repentina do marido. Ela descreve como, por um tempo, se agarrou a ideia de que, de alguma forma, ele poderia voltar – como se o pensamento mágico pudesse reverter o irreversível.
Didion nos lembra de como seguimos vivendo sem nos darmos conta de que algo pode estar acontecendo pela última vez: a última conversa, a última risada, o último jantar compartilhado. Assim como Ayrton Senna não sabia que sua corrida em Ímola seria a última, nós também raramente sabemos quando estamos fechando um ciclo definitivo.
E se soubéssemos? Ficaríamos mais atentos? Nos entregaríamos mais ao presente?
A história de Didion é sobre um fim inesperado, mas também sobre a memória e o que permanece. Assim como o legado de Senna, que continua vivo, mesmo depois de sua última volta na pista.
Nem toda primeira vez precisa ser grandiosa como ver a neve ou visitar um lugar histórico. Às vezes, um novo sabor já é suficiente para marcar um momento.
Aqui na Itália, descobri um suco que ganhou meu coração – e tem salavdo a minha imunidade nesse frio atípico para uma brasileira. O ACE (abreviação de arancia, carota, limone e bergamota) virou meu ritual diária. Já experimentei de diversas marcas e todas me trouxeram ótimas experiências.
Cada gole desse suco diferente me lembra que as pequenas descobertas também são parte do encanto de viajar. E que, mesmo quando voltamos para casa, alguns sabores permanecem com a gente – como uma lembrança de tempos vividos com presença e paixão.
📌 Próximos Passos
A experiência de ver a neve pela primeira vez e a visita a Ímola aconteceram no último sábado. Desde então, nossa viagem seguiu por novos caminhos, trazendo outras histórias que, em breve, vou compartilhar por aqui.
Mas hoje, antes de encerrar essa carta, quero dividir com vocês uma novidade muito especial – algo que venho guardando com carinho até agora.
Há exatas 23 semanas, estou vivendo a experiência mágica de gestar nossa filha Cecília.
Desde que descobrimos sobre a gravidez, senti um chamado profundo para viver esse momento com presença, sem pressa, sem exposição. Quis sentir cada transformação no meu corpo, cada batida acelerada do seu pequeno coração, cada sinal sutil da sua presença dentro de mim. Cecília chegou como um sopro de vida, um novo começo, um universo inteiro se expandindo dentro do meu ventre.
E, antes mesmo de nascer, ela já experimentou sua primeira neve comigo.
Sei que, um dia, vou contar para ela sobre esse instante mágico – o silêncio branco da madrugada em San Marino, os flocos caindo devagar, o arrepio no rosto e a sensação de que, em cada primeira vez, existe um toque de eternidade.
Agora, finalmente, sinto que é hora de compartilhar essa alegria com vocês. Porque algumas histórias, por mais que sejam vividas no silêncio, foram feitas para serem celebradas.
Se essa carta ressoou com você, me conta! Quero saber o que esse tema despertou em você, quais primeiras vezes ficaram marcadas na sua memória e como você tem olhado para os ciclos da vida.
E hoje, além de receber sua mensagem, quero te fazer um convite especial: deixe uma mensagem para a Cecília.
Antes mesmo de nascer, ela já está viajando conosco, sentindo o cheiro da neve, ouvindo as histórias que colecionamos pelo caminho. Quero que um dia ela leia essas cartas e saiba que, desde sempre, esteve cercada de palavras, de amor e de boas histórias.
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Nos vemos na próxima carta. ✨
Um abraço com a energia mágica de Ímola e da neve,
Cynira Helena
Parabéns pela Cecília! Que venha trazer ainda mais inspiração para sua vida e sua escrita. Delícia estar acompanhando essa viagem com vocês.
Maravilhosa sua carta!! E o mais incrível são as emoções que te acompanham e com certeza passam para a pequena Cecília! ❤️🥰
Cecília minha querida, não tinha uma família melhor para vc nascer, pais maravilhosos, amorosos e cheios de amor e luz para dar à você.
Você já é amada no ventre de sua mãe e sinta toda gratidão por tê-la conosco.
Seja muito bem-vinda! Amamos muito você. ❤️🥰